Existem pouquíssimos médicos negros no Brasil. Dermatologistas, então! E dermatologistas especializados em pele negra? Nesse caso, apenas um, ou melhor, uma: Dra Katleen Conceição. Dermatologista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia do Rio de Janeiro e Membro da Sociedade Brasileira de Laser, ela iniciou sua carreira como estagiária na Santa Casa de Misericórdia e fez pós-graduação na Universidade Federal Fluminense, onde ficou por quatro anos à frente do ambulatório de acne e peeling. O pai, também médico, além de coronel do exército, exerceu forte influência por sua escolha profissional. De família estruturada – cultural e financeiramente – Katleen teve a oportunidade de estudar em bons colégios, frequentar bons restaurantes, se vestir bem (o pai sempre a orientou nesse sentido), mesmo assim, constantemente é vítima de olhares desconfiados daqueles que não conseguem enxergar (ou não aceitam) um profissional negro e supercompetente (ainda mais na área médica). Quanto a isso, Katleen dá de ombros, pois hoje, não precisa provar nada a ninguém. Referência na área (ex-chefe do primeiro Ambulatório de Dermatologia da Pele Negra, no Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio de Janeiro, onde atendia pessoas carentes), é também a queridinha dos artistas e craque quando o assunto é peeling e, principalmente, laser para a pele negra.
Por que a escolha da profissão de medicina com especialização em pele negra?
Acredito que muito por conta da história de meu pai. Quando pequeno, decidiu ser médico e, desde o começo, sentiu o racismo. Minha avó era técnica de enfermagem e também faxineira de um colégio conceituado em Porto Alegre. Perguntaram para o meu pai o que ele queria ser: “Eu quero ser médico”, disse. Deram uma gargalhada.
Então, ele estudou para ser médico, serviu o exército – é coronel – e, como nós sabemos, o racismo no Brasil impede certas coisas de maneira muito sutil. Ele veio para o Rio de Janeiro. Eu tinha três anos, meu outro irmão, apenas um.
E meu pai sempre se preocupou com os estudos, focou nas escolas caras do Rio de Janeiro. Com dez anos, fui para o Colégio Alemão, fiquei lá por quatro anos. Saí porque ele foi transferido para Manaus. Na verdade, eu gostaria de cursar publicidade, mas, por influência paterna, fiz medicina. Durante a faculdade, eu quis fazer pediatria, comecei a dar plantão, fiz residência e me formei.
Na área médica, como foi o primeiro emprego?
Fui trabalhar com o meu pai e trabalhar com pai é um pouco complicado. Depois fui para o exército e foi tudo muito engraçado, achavam que eu entrei no exercito por causa dele. Ele até sugeriu e também o meu sogro, mas meu pai ficou totalmente em off, tipo, “não quero porque vão achar que você é filha do Coronel João Paulo”.
A escolha pela dermatologia também teve uma forte influência de seu pai?
Eu fiz dermatologia clínica, gosto de dermatologia, gosto de doença, mas por causa dessa coisa da estética que hoje em dia todo mundo quer fazer, comecei a observar isso no consultório. Meu pai me disse para fazer pós-graduação em estética, para ficar mais embasada.
E a especialização em pele negra?
Não havia como tem hoje o combate de doenças em pele negra, não existia isso e sim cursos caros que você tinha que pagar. Fiz curso de medicina estética com duração de seis meses. A professora titular saiu, e me chamaram para eu assumir a turma. Imagine: eu era aluna com seis meses de curso e virei professora dos meus colegas dermatologistas, negra, muito mais nova que muita gente. Brinco que sofri um preconceito durante uns quatro anos, todo mundo adorava as minhas aulas no começo. Depois, começaram a me tirar porque eu incomodava; dizia que as pessoas tinham que estudar mais, sempre fui muito polêmica, falava de dedicação, que, não tinham que visar apenas a grana, mas ser mesmo um médico que tem carinho pelo paciente.
Como foi esse período?
Fiquei cinco anos como professora, um período muito bom, em que os alunos me incentivam a tratar a pele negra. Eu ia aos congressos e não via ninguém, as aulas não tinham nada. Quando comecei ir para fora fazer cursos a laser, ninguém ensinava laser para pele negra, todo mundo falava que isso não dava dinheiro, que negro não tem dinheiro. Eu pensava: “Que é isso, eu sou negra e gosto de ser negra também”. Comecei a testar os lasers dos cursos em mim mesma. Os pacientes começaram a surgir. Hoje conheço e trabalho com os lasers indicados para a pele negra.
No Brasil existem muitos dermatologistas especializados em pele negra?
Não, só eu!
Quais as principais diferenças entre a pele negra e a branca?
A pele negra contém uma quantidade maior de melanina, isso para a gente é bom, porque nos confere uma forte proteção. Embora tenhamos uma facilidade de manchar muito mais fácil, tendência a manchas escuras e também a manchas brancas que, às vezes, é uma alergia.
Quando você faz um laser na pele negra, tem que explicar que ela reage produzindo melanina, só que isso é normal na pele negra, depois clareia.
Além da melanina, percebemos em ensaios fotográficos uma diferença na oleosidade da pele, o que tem levado a indústria de cosméticos a elaborar produtos específicos para a pele negra. É isso mesmo?
Sim, porém, apesar da nossa pele ser mais oleosa no rosto, no corpo ela é mais seca, então, temos tendência maior a alergias e a ter a pele acinzentada, não podemos tomar banho muito quente, temos que tratar a pele com mais frequência, tentar usar sabonete em barra para o rosto e sabonete líquido, porque o sabonete em barra tem mais ingredientes que ressecam a pele.
Nosso cabelo é mais fragilizado, mais tortuoso e também tem tendência a enroscar em áreas como os genitais e axilas, onde o pelo já sai encaracolado.
"A NOSSO CABELO É MAIS FRAGILIZADO, MAIS TORTUOSO E TAMBÉM TEM TENDÊNCIA A ENROSCAR EM ÁREAS COMO OS GENITAIS E AXILAS, ONDE O PELO JÁ SAI ENCARACOLADO."
Por isso as manchas escuras em locais de raspagem, como a barba nos homens negros?
Exatamente, o que causa pigmentação do pelo na pele da gente é porque, quando você faz a raspagem, desencadeia inflamação, e todo o processo inflamatório no negro produz melanina. Por isso temos maior tendência ao queloide. Nossa fibraqueloide tem uma deficiência na enzima que retarda o envelhecimento da pele negra porque ela é mais forte, elástica, densa; em contrapartida, essa deficiência da enzima faz com que tenhamos queloides e cicatrizes.
A desvantagem, anteriormente, é que as pessoas não sabiam tratar, sem contar com a falta de investimento das indústrias no segmento de tratamento para a pele negra. Criei um blog por causa disso.
O atual momento brasileiro é um tanto significativo, com uma quantidade grande de negros entrando na chamada “classe média”. Isso teve influência em seu trabalho, ou seja, você percebe mais pessoas negras se preocupando com a pele?
O que me impulsionou a ser dermatologista de pele negra é tratar a nossa galera, independentemente de classe social, tanto que fazia um trabalho social em Bonsucesso.
Realmente vejo que existe uma carência, até um descaso em relação à nossa raça. Na verdade, hoje em dia, graças a Deus, as pessoas pagam pela minha consulta e, quando trabalhava no hospital de Bonsucesso, não percebia mais aquele negro com chinelo de dedo, coitadinho. Não vejo mais o negro nessa posição.
Acho que o negro sempre quis se tratar, não existia era um estudo. Se você olhar para as nossas famílias, o que os nossos pais sempre falam? Escova os dentes, usa um creme no cabelo! Você vê que as pessoas não tratam a pele que todo mundo diz que é incrível.
As coisas hoje estão diferentes?
Eu acho que o perfil do Brasil mudou muito com o negro. A gente está muito mais antenado. Hoje em dia vejo bastante empresários que se cuidam bastante, mas eu pego também pessoas humildes que se cuidam. A facilidade de, atualmente, podermos ter televisão HD, a mudança da economia fazem com que os negros elevem a autoestima. As pessoas estão se sentindo mais seguras. Há mais gente nossa na televisão, estamos nos vendo, somos mesmo importantes.
É mais difícil tratar a pele das celebridades do que de pessoas comuns, há diferença?
Eu costumo dizer que eles sabem muito bem que sou brava com todos. Como eu me dedico muito à minha profissão, quero que você respeite o que estou fazendo, então, sou muito chata. Tenho Facebook e Twitter, sempre estou on-line para cuidar de todos eles, independentemente de ser celebridade. O mais complicado no tratamento deles é a manutenção, pois eles viajam muito, mas os mantenho sempre informados por mensagens, como: “olha, estou aqui de olho em você”. Mas para mim não existe diferença em ser famoso. O paciente negro é a nossa raça mesmo.
Fale-me um pouco do trabalho que a senhora fez à frente do ambulatório da pele negra, no Hospital de Bonsucesso.
Era um sonho meu! Atendia muitos pacientes em meu consultório que não tinham condições financeiras. Meu marido e o meu pai brigavam comigo, porque, no final do mês, eu estava negativa. Aí falei: “Poxa, Deus, me dá um ambulatório para tratar o povo?” É fato que as pessoas mais carentes são as que têm problemas de pele devido à falta de orientação.
Quanto ao ambulatório, a oportunidade veio com o professor Paulo Roberto Cotrim, que é chefe de dermatologia e ouviu falar muito de mim. Ele desenvolveu um trabalho voluntário no Hospital de Bonsucesso e ficou sabendo que eu gostaria muito de trabalhar no ambulatório de pele negra. Só que não foi tão fácil! Eu não tenho vínculo político com ninguém, enfim, o hospital é um dos maiores do Rio de Janeiro. E por que pele negra e não afrodescendência? Porque as pessoas que se identificam negras irão ao ambulatório por causa disso, não pode ser uma coisa afro-negra, ela quer pele negra.
Pelo pioneirismo, é um trabalho que deve requeria muita dedicação.
Sim, mas tinha muitas pessoas que me ajudam no laser. Eu faço depilação a laser, laser para cicatriz de queloide, estrias, que são uma coisa muito comum na pele negra por causa do estiramento. Nós negros damos aquela esticada, somos muito altos, a menina nova também cresce rápido e estica. Não cobrava nada, tinha uma fila de espera enorme! Foi um presente de Deus. E ninguém pode dizer que a dra. Katleen só fica no Leblon, eu fico no Leblon, em Madureira e em Bonsucesso.
Por que há tantos tabus na utilização de laser em tratamentos de pele negra?
Porque na pele negra, como a quantidade de melanina é maior, ela queima com facilidade. Quando você faz um laser, por exemplo, para estria, precisa avisar ao paciente que a estria vai passar pela transição de ficar mais escura. Vai queimar a pele com laser, remodelar aquela estria e passar pela fase de despigmentar a pele, o que demora muito tempo, porque a concentração de melanina é muito grande. Então, qualquer procedimento estético no negro, um pelling, uma depilação a laser, um tratamento de estrias vão ter que passar por essa fase. É muito difícil a relação médico-paciente, brinco que é complicado, às vezes, quando o médico é branco, por que como ele vai falar para a pessoa que ela vai ficar preta?
Tenho muitos casos de pacientes que outros médicos disseram que não havia como tratar. Não é que não tem jeito, é que dá mais trabalho, você tem que estar ali, explicando como negra. Eu posso falar que ela vai ficar um tempo manchada e depois vai melhorar, passar segurança. Eu, como negra, fiz uma especialização, fiz em mim, faz toda diferença, mas como eu falei, nossa pele mancha com facilidade, então, existe um tabu porque vai dar trabalho.
A senhora já sofreu preconceito por ser médica, afinal, no Brasil, é um tanto difícil médicos negros, dermatologista, então...
(Gritos e risos) Várias vezes! Isso é normal até hoje. Engraçado porque, desde pequena, meu pai me orientou a sempre me cuidar bem, me vestir muito bem com roupas clássicas, estar arrumada para ir até o mercado. Numa ocasião, estava parada na a recepção e havia uma senhora mulata, depois descobri que ela era amiga da minha paciente. Estávamos conversando sobre drenagem e ela perguntou se eu era a massagista. E eu, com o jaleco escrito dra. Katleen, respondi não, não sou e também não respondi o que eu era. Fui atender a paciente e, quando ela saiu da sala comigo, a referida senhora estava sentada e, quando me viu, levou um susto. Minha paciente nos apresentou: “Essa é a dra. Katleen”. E eu disse: “Pois é, ela acabou de me confundir com a massagista da clínica, que coisa engraçada
E o que aconteceu depois?
Ela tentou se justificar dizendo que eu era muito nova. Eu respondi dizendo que não era por eu ser muito nova e sim por ser negra, mas que ela ficasse tranquila.
Normal isso para mim, hoje em dia, graças a Deus, como tenho visto tantos negros prósperos, tantos médicos negros, eu jogo para cima se vejo um advogado, carteiro, hoje está mais comum, mas vejo que o branco, mesmo vendo que estamos bem arrumados em um shopping megaelegante, tem uma coisa de querer colocar a gente para baixo. Por exemplo, meu marido é claro, então acham que ele é gringo e doutor, e eu não sou a doutora.
"O BRANCO, MESMO VENDO QUE ESTAMOS BEM ARRUMADOS EM UM SHOPPING MEGAELEGANTE, TEM UMA COISA DE QUERER COLOCAR A GENTE PARA BAIXO. POR EXEMPLO, MEU MARIDO É CLARO, ENTÃO ACHAM QUE ELE É GRINGO E DOUTOR, E EU NÃO SOU A DOUTORA."
E como encara essas situações?
Eu tenho uma postura supertranquila. Meu pai me criou naquele estereótipo para eu não ter problema, e eu tive problemas o tempo todo. Eu sou negra, isso aqui não tem como tirar, por mais que eu seja elegante. Teve um ator e cantor que falou para mim: “Doutora, você sabe que a gente veio do gueto...” Eu disse: “Não vim do gueto, não, vim da nata do Rio de Janeiro, meu pai me colocou logo no Colégio Alemão.” Graças a Deus, eu lido com todo mundo.
Lázaro Ramos, que eu adoro demais, um dia disse a ele: “Está tudo bem, você é bem-sucedido, incrível, está rico, né?”. Ele respondeu: “Kat, não me acho assim, porque o nosso povo não está assim, a gente tem muito o que fazer.”
Sou no momento a única, mas quero outras Katleens, quero outras pessoas para trabalhar comigo, me sinto muito sozinha, é muito cansativo, eu tenho uma agenda para outubro, dezembro e todo mundo em cima. Na verdade, quero outras pessoas que nem eu, que tenham coragem.
O racismo quis me parar, mas como eu tenho uma família estruturada, um pai que não admite choro, então, me sinto incrível, meu povo é incrível, ninguém vai ser coitadinho para cima de mim, não.
Qual o principal obstáculo que a senhora encontrou na vida?
A cor! Fui criada em berço de ouro, pai médico, na zona sul do Rio de Janeiro, Posto 10, restaurantes caros, só que eu fui avançando. Quando chegou na parte profissional, disseram que já estava demais. “Aqui não”. “Aqui sim”, respondi. Tudo bem, demorou quatro anos, mas aqui sim e fui.
Hoje eu sou chamada para congressos na minha sociedade, estou pensando em criar um setor de pele negra dentro da dermatologia, tem um monte de setor, mas não tem o setor de pele negra
Por que a escolha da profissão de medicina com especialização em pele negra?
Acredito que muito por conta da história de meu pai. Quando pequeno, decidiu ser médico e, desde o começo, sentiu o racismo. Minha avó era técnica de enfermagem e também faxineira de um colégio conceituado em Porto Alegre. Perguntaram para o meu pai o que ele queria ser: “Eu quero ser médico”, disse. Deram uma gargalhada.
Então, ele estudou para ser médico, serviu o exército – é coronel – e, como nós sabemos, o racismo no Brasil impede certas coisas de maneira muito sutil. Ele veio para o Rio de Janeiro. Eu tinha três anos, meu outro irmão, apenas um.
E meu pai sempre se preocupou com os estudos, focou nas escolas caras do Rio de Janeiro. Com dez anos, fui para o Colégio Alemão, fiquei lá por quatro anos. Saí porque ele foi transferido para Manaus. Na verdade, eu gostaria de cursar publicidade, mas, por influência paterna, fiz medicina. Durante a faculdade, eu quis fazer pediatria, comecei a dar plantão, fiz residência e me formei.
Na área médica, como foi o primeiro emprego?
Fui trabalhar com o meu pai e trabalhar com pai é um pouco complicado. Depois fui para o exército e foi tudo muito engraçado, achavam que eu entrei no exercito por causa dele. Ele até sugeriu e também o meu sogro, mas meu pai ficou totalmente em off, tipo, “não quero porque vão achar que você é filha do Coronel João Paulo”.
A escolha pela dermatologia também teve uma forte influência de seu pai?
Eu fiz dermatologia clínica, gosto de dermatologia, gosto de doença, mas por causa dessa coisa da estética que hoje em dia todo mundo quer fazer, comecei a observar isso no consultório. Meu pai me disse para fazer pós-graduação em estética, para ficar mais embasada.
E a especialização em pele negra?
Não havia como tem hoje o combate de doenças em pele negra, não existia isso e sim cursos caros que você tinha que pagar. Fiz curso de medicina estética com duração de seis meses. A professora titular saiu, e me chamaram para eu assumir a turma. Imagine: eu era aluna com seis meses de curso e virei professora dos meus colegas dermatologistas, negra, muito mais nova que muita gente. Brinco que sofri um preconceito durante uns quatro anos, todo mundo adorava as minhas aulas no começo. Depois, começaram a me tirar porque eu incomodava; dizia que as pessoas tinham que estudar mais, sempre fui muito polêmica, falava de dedicação, que, não tinham que visar apenas a grana, mas ser mesmo um médico que tem carinho pelo paciente.
Como foi esse período?
Fiquei cinco anos como professora, um período muito bom, em que os alunos me incentivam a tratar a pele negra. Eu ia aos congressos e não via ninguém, as aulas não tinham nada. Quando comecei ir para fora fazer cursos a laser, ninguém ensinava laser para pele negra, todo mundo falava que isso não dava dinheiro, que negro não tem dinheiro. Eu pensava: “Que é isso, eu sou negra e gosto de ser negra também”. Comecei a testar os lasers dos cursos em mim mesma. Os pacientes começaram a surgir. Hoje conheço e trabalho com os lasers indicados para a pele negra.
No Brasil existem muitos dermatologistas especializados em pele negra?
Não, só eu!
Quais as principais diferenças entre a pele negra e a branca?
A pele negra contém uma quantidade maior de melanina, isso para a gente é bom, porque nos confere uma forte proteção. Embora tenhamos uma facilidade de manchar muito mais fácil, tendência a manchas escuras e também a manchas brancas que, às vezes, é uma alergia.
Quando você faz um laser na pele negra, tem que explicar que ela reage produzindo melanina, só que isso é normal na pele negra, depois clareia.
Além da melanina, percebemos em ensaios fotográficos uma diferença na oleosidade da pele, o que tem levado a indústria de cosméticos a elaborar produtos específicos para a pele negra. É isso mesmo?
Sim, porém, apesar da nossa pele ser mais oleosa no rosto, no corpo ela é mais seca, então, temos tendência maior a alergias e a ter a pele acinzentada, não podemos tomar banho muito quente, temos que tratar a pele com mais frequência, tentar usar sabonete em barra para o rosto e sabonete líquido, porque o sabonete em barra tem mais ingredientes que ressecam a pele.
Nosso cabelo é mais fragilizado, mais tortuoso e também tem tendência a enroscar em áreas como os genitais e axilas, onde o pelo já sai encaracolado.
"A NOSSO CABELO É MAIS FRAGILIZADO, MAIS TORTUOSO E TAMBÉM TEM TENDÊNCIA A ENROSCAR EM ÁREAS COMO OS GENITAIS E AXILAS, ONDE O PELO JÁ SAI ENCARACOLADO."
Por isso as manchas escuras em locais de raspagem, como a barba nos homens negros?
Exatamente, o que causa pigmentação do pelo na pele da gente é porque, quando você faz a raspagem, desencadeia inflamação, e todo o processo inflamatório no negro produz melanina. Por isso temos maior tendência ao queloide. Nossa fibraqueloide tem uma deficiência na enzima que retarda o envelhecimento da pele negra porque ela é mais forte, elástica, densa; em contrapartida, essa deficiência da enzima faz com que tenhamos queloides e cicatrizes.
A desvantagem, anteriormente, é que as pessoas não sabiam tratar, sem contar com a falta de investimento das indústrias no segmento de tratamento para a pele negra. Criei um blog por causa disso.
O atual momento brasileiro é um tanto significativo, com uma quantidade grande de negros entrando na chamada “classe média”. Isso teve influência em seu trabalho, ou seja, você percebe mais pessoas negras se preocupando com a pele?
O que me impulsionou a ser dermatologista de pele negra é tratar a nossa galera, independentemente de classe social, tanto que fazia um trabalho social em Bonsucesso.
Realmente vejo que existe uma carência, até um descaso em relação à nossa raça. Na verdade, hoje em dia, graças a Deus, as pessoas pagam pela minha consulta e, quando trabalhava no hospital de Bonsucesso, não percebia mais aquele negro com chinelo de dedo, coitadinho. Não vejo mais o negro nessa posição.
Acho que o negro sempre quis se tratar, não existia era um estudo. Se você olhar para as nossas famílias, o que os nossos pais sempre falam? Escova os dentes, usa um creme no cabelo! Você vê que as pessoas não tratam a pele que todo mundo diz que é incrível.
As coisas hoje estão diferentes?
Eu acho que o perfil do Brasil mudou muito com o negro. A gente está muito mais antenado. Hoje em dia vejo bastante empresários que se cuidam bastante, mas eu pego também pessoas humildes que se cuidam. A facilidade de, atualmente, podermos ter televisão HD, a mudança da economia fazem com que os negros elevem a autoestima. As pessoas estão se sentindo mais seguras. Há mais gente nossa na televisão, estamos nos vendo, somos mesmo importantes.
É mais difícil tratar a pele das celebridades do que de pessoas comuns, há diferença?
Eu costumo dizer que eles sabem muito bem que sou brava com todos. Como eu me dedico muito à minha profissão, quero que você respeite o que estou fazendo, então, sou muito chata. Tenho Facebook e Twitter, sempre estou on-line para cuidar de todos eles, independentemente de ser celebridade. O mais complicado no tratamento deles é a manutenção, pois eles viajam muito, mas os mantenho sempre informados por mensagens, como: “olha, estou aqui de olho em você”. Mas para mim não existe diferença em ser famoso. O paciente negro é a nossa raça mesmo.
Fale-me um pouco do trabalho que a senhora fez à frente do ambulatório da pele negra, no Hospital de Bonsucesso.
Era um sonho meu! Atendia muitos pacientes em meu consultório que não tinham condições financeiras. Meu marido e o meu pai brigavam comigo, porque, no final do mês, eu estava negativa. Aí falei: “Poxa, Deus, me dá um ambulatório para tratar o povo?” É fato que as pessoas mais carentes são as que têm problemas de pele devido à falta de orientação.
Quanto ao ambulatório, a oportunidade veio com o professor Paulo Roberto Cotrim, que é chefe de dermatologia e ouviu falar muito de mim. Ele desenvolveu um trabalho voluntário no Hospital de Bonsucesso e ficou sabendo que eu gostaria muito de trabalhar no ambulatório de pele negra. Só que não foi tão fácil! Eu não tenho vínculo político com ninguém, enfim, o hospital é um dos maiores do Rio de Janeiro. E por que pele negra e não afrodescendência? Porque as pessoas que se identificam negras irão ao ambulatório por causa disso, não pode ser uma coisa afro-negra, ela quer pele negra.
Pelo pioneirismo, é um trabalho que deve requeria muita dedicação.
Sim, mas tinha muitas pessoas que me ajudam no laser. Eu faço depilação a laser, laser para cicatriz de queloide, estrias, que são uma coisa muito comum na pele negra por causa do estiramento. Nós negros damos aquela esticada, somos muito altos, a menina nova também cresce rápido e estica. Não cobrava nada, tinha uma fila de espera enorme! Foi um presente de Deus. E ninguém pode dizer que a dra. Katleen só fica no Leblon, eu fico no Leblon, em Madureira e em Bonsucesso.
Por que há tantos tabus na utilização de laser em tratamentos de pele negra?
Porque na pele negra, como a quantidade de melanina é maior, ela queima com facilidade. Quando você faz um laser, por exemplo, para estria, precisa avisar ao paciente que a estria vai passar pela transição de ficar mais escura. Vai queimar a pele com laser, remodelar aquela estria e passar pela fase de despigmentar a pele, o que demora muito tempo, porque a concentração de melanina é muito grande. Então, qualquer procedimento estético no negro, um pelling, uma depilação a laser, um tratamento de estrias vão ter que passar por essa fase. É muito difícil a relação médico-paciente, brinco que é complicado, às vezes, quando o médico é branco, por que como ele vai falar para a pessoa que ela vai ficar preta?
Tenho muitos casos de pacientes que outros médicos disseram que não havia como tratar. Não é que não tem jeito, é que dá mais trabalho, você tem que estar ali, explicando como negra. Eu posso falar que ela vai ficar um tempo manchada e depois vai melhorar, passar segurança. Eu, como negra, fiz uma especialização, fiz em mim, faz toda diferença, mas como eu falei, nossa pele mancha com facilidade, então, existe um tabu porque vai dar trabalho.
A senhora já sofreu preconceito por ser médica, afinal, no Brasil, é um tanto difícil médicos negros, dermatologista, então...
(Gritos e risos) Várias vezes! Isso é normal até hoje. Engraçado porque, desde pequena, meu pai me orientou a sempre me cuidar bem, me vestir muito bem com roupas clássicas, estar arrumada para ir até o mercado. Numa ocasião, estava parada na a recepção e havia uma senhora mulata, depois descobri que ela era amiga da minha paciente. Estávamos conversando sobre drenagem e ela perguntou se eu era a massagista. E eu, com o jaleco escrito dra. Katleen, respondi não, não sou e também não respondi o que eu era. Fui atender a paciente e, quando ela saiu da sala comigo, a referida senhora estava sentada e, quando me viu, levou um susto. Minha paciente nos apresentou: “Essa é a dra. Katleen”. E eu disse: “Pois é, ela acabou de me confundir com a massagista da clínica, que coisa engraçada
E o que aconteceu depois?
Ela tentou se justificar dizendo que eu era muito nova. Eu respondi dizendo que não era por eu ser muito nova e sim por ser negra, mas que ela ficasse tranquila.
Normal isso para mim, hoje em dia, graças a Deus, como tenho visto tantos negros prósperos, tantos médicos negros, eu jogo para cima se vejo um advogado, carteiro, hoje está mais comum, mas vejo que o branco, mesmo vendo que estamos bem arrumados em um shopping megaelegante, tem uma coisa de querer colocar a gente para baixo. Por exemplo, meu marido é claro, então acham que ele é gringo e doutor, e eu não sou a doutora.
"O BRANCO, MESMO VENDO QUE ESTAMOS BEM ARRUMADOS EM UM SHOPPING MEGAELEGANTE, TEM UMA COISA DE QUERER COLOCAR A GENTE PARA BAIXO. POR EXEMPLO, MEU MARIDO É CLARO, ENTÃO ACHAM QUE ELE É GRINGO E DOUTOR, E EU NÃO SOU A DOUTORA."
E como encara essas situações?
Eu tenho uma postura supertranquila. Meu pai me criou naquele estereótipo para eu não ter problema, e eu tive problemas o tempo todo. Eu sou negra, isso aqui não tem como tirar, por mais que eu seja elegante. Teve um ator e cantor que falou para mim: “Doutora, você sabe que a gente veio do gueto...” Eu disse: “Não vim do gueto, não, vim da nata do Rio de Janeiro, meu pai me colocou logo no Colégio Alemão.” Graças a Deus, eu lido com todo mundo.
Lázaro Ramos, que eu adoro demais, um dia disse a ele: “Está tudo bem, você é bem-sucedido, incrível, está rico, né?”. Ele respondeu: “Kat, não me acho assim, porque o nosso povo não está assim, a gente tem muito o que fazer.”
Sou no momento a única, mas quero outras Katleens, quero outras pessoas para trabalhar comigo, me sinto muito sozinha, é muito cansativo, eu tenho uma agenda para outubro, dezembro e todo mundo em cima. Na verdade, quero outras pessoas que nem eu, que tenham coragem.
O racismo quis me parar, mas como eu tenho uma família estruturada, um pai que não admite choro, então, me sinto incrível, meu povo é incrível, ninguém vai ser coitadinho para cima de mim, não.
Qual o principal obstáculo que a senhora encontrou na vida?
A cor! Fui criada em berço de ouro, pai médico, na zona sul do Rio de Janeiro, Posto 10, restaurantes caros, só que eu fui avançando. Quando chegou na parte profissional, disseram que já estava demais. “Aqui não”. “Aqui sim”, respondi. Tudo bem, demorou quatro anos, mas aqui sim e fui.
Hoje eu sou chamada para congressos na minha sociedade, estou pensando em criar um setor de pele negra dentro da dermatologia, tem um monte de setor, mas não tem o setor de pele negra
2 comentários:
A sua consulta produziu dois pontos positivos:a melhora da minha pele que em tão pouco tempo já está diferente e a minha auto estima que andava meio abalada.Você me fez voltar a sonhar com coisas que estavam esquecidas e postas de lado com o dia-dia. Você faz parte do grupo de médicos, que sabe que seus pacientes são bem mais que prontuários, e que infelizmente são raros hoje em dia.Parabéns primeiramente pelo trabalho e pela bela entrevista.
Muito bom, Doutora!!!!!!!!!!
Parabéns pelo trabalho!
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